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Como partir 1 dedo do pé no 1.º dia de férias
Imagem do final de tarde em Buarcos, na Figueira da Foz. Na foto podem ver-se os penedos de que falo no texto "Como partir 1 dedo do pé no 1º dia de férias"

Hoje vou contar-te uma história real e que tem como protagonistas, uma praia, uma rocha com milhares de anos, um careca distraído — a esta hora já percebeste de quem se trata, não já? — e um dedo partido.
Portanto, vou mostrar-te como partir 1 dedo do pé no 1.º dia de férias.

Começaram no dia dos meus anos. Sexta-feira, 13 de Agosto. Nada mau.

No dia seguinte, como planeado, arrancámos os 3 para a Figueira da Foz do meu coração.

Mas as férias a sério só arrancaram no Domingo, dia 15 de Agosto.
Até porque foi o 1.º acordar em Buarcos. E as férias só começam a partir da 1.ª noite fora.

***Buarcos — A Praia de Uma Vida*** 

Como já te disse, nasci a 13 de Agosto de 1983.

Nesse ano não fui a Buarcos, mas no verão seguinte estava lá batido com a minha mãe, a minha avó, a minha bisavó (que morreu nesse ano, segundo diziam, só depois de me ter tido no colo) e alguns dos meus 9 tios.

Começou aí a ligação umbilical e transcendente que tenho hoje àquela casa e àquela praia onde também teve início a minha relação com a areia e com o mar.

Com o mar a relação foi adiada para depois de resolvido o problema com a areia.

A minha mãe conta que era uma maravilha levar-me para a praia, já que me punha em cima da toalha, sentado, e eu não me mexia.

Ficava ali, vigilante, atento a todo e qualquer grão de areia que viesse furtivamente invadir-me a toalha e ameaçar-me como é costume da areia. 

**… e assim foi pela vida fora**

Passei a ir para Buarcos todos os anos.
Às vezes, mais do que uma vez por ano, já que ia na Páscoa, com a minha avó.

Devo ter falhado uns 5 ou 6 verões por razões várias, algumas válidas, outras ridículas, mas a vida é mesmo assim.

Ou seja, são pelo menos 30 anos de viagens, recordações, brincadeiras, aventuras, alegrias, tristezas, lembranças boas.

Tudo isto faz parte de uma ligação com tantos contornos e arestas que me é difícil traduzi-la por completo em palavras e frases com sentido.

Sinto-lhe o cheiro e o toque.
Sinto-lhe a voz. Sim, a voz. Aquela casa fala, caramba!

Tem quase 150 anos. Pois claro que fala.

***Mais Do Que Uma Casa, Uma Herança***

Passei lá verões incríveis, com o meu irmão, com tios entre os 20 e os 30 anos, amigos deles, um festival do caraças.

E hoje é a minha filha que está a reviver essa tradição familiar e a apaixonar-se a cada novo verão pela casa, pela vila, pela história e pelo simbolismo todo que lhe está associado.

Mas o mais relevante são as memórias que está a construir.

E isso é o que mais me encanta.
Não é pelos dias quentes e de céu limpo que vou para lá — porque esses, digo-te, são raros.

E quando acontecem, duram pouco. Há sempre aquela nortada típica e o capacete matinal a fazer lembrar a praia das maçãs.

As memórias, dizia-te, são aquilo em que aposto as minhas fichas todas com a Leonor.
E deste ano guarda mais umas quantas.

Seja dos dias de férias sozinha, com os avós, ou dos dias que lá passou com os pais.

Bom, agora que já te dei um contexto da minha ligação à maravilhosa vila de Buarcos, vamos ao que interessa.

**Uma praia milagrosa**

Domingo, 1.º verdadeiro dia de férias em Buarcos.
O meu irmão chegou de manhã, do Porto.

Fui com a Ana e com a Leonor ao renovado Mercado da Figueira comprar peixinho fresco para grelhar no terraço. 

Botei 2 garrafinhas de branco no frio e fui para a grelha.

À tarde, depois de uma ligeira sesta colectiva, tudo para a praia.

A praia de Buarcos é famosa pelos seus penedos que, com a maré vazia, ficam a descoberto e fazem as delícias de quem para ali vai.

Para além da enorme carga de iodo, que faz muito bem à saúde.

Um bom exemplo disso foi a 1.ª visita da Leonor a Buarcos, com 2 meses, que acertou os sonos da noite para o dia e passou a dormir a noite inteira.

Aconteceu na 1.ª noite em que lá dormiu.

***A Rocha Está Ali Há Milhares de Anos, Animal!***

Quem tem filhos pequenos, sabe que aquele é para ali que eles querem ir.

Não só pelas rochas, mas pelas pequenas piscinas que ali se formam e permitem que possamos estar dentro de água por mais de 5 minutos.

Chegámos à praia, poisámos as coisas, montei o chapéu, o corta-vento, estendi as toalhas e fui até à água, em frente à toalha, a alguns metros das rochas.

Ao fim de algum tempo, a Leonor, que não mergulha e foge das ondas pelos tornozelos quis ir para os penedos.

O meu irmão foi andando com ela enquanto eu fui dar mais um mergulho naquela água cristalina.

**Como partir 1 dedo em 2 segundos**

Conforme saio do mar, vou ter com eles, em passo acelerado, mas ainda sem correr.

Imagina-te a saltitar numa areia molhada dura, grossa, cheia de conchas e pedras, onde o máximo que consegues é enterrar mais os pés…

… olho para eles e tiro os olhos do chão para procurar o meu irmão e a minha filha — que estupidez, Martim! — e quando volto a olhar para baixo vejo a rocha — parecia um iceberg, só com a pontinha de fora.

O problema é que o meu pé já vai em movimento…

… e como toda a gente sabe, é impossível parar um pé, em movimento, àquela distância da rocha.

Como tenho a “sorte” de ter o 2.º dedo do pé maior que o dedão, espetei com o menino na rocha com uma convicção inabalável.

Nota: se fazes parte desta espécie de ser humano, um abraço para ti.

Os segundos de agonia e má disposição que se seguiram, a querer gritar todos os palavrões que sei, mas a deixar sair apenas um amordaçado “fffffde-ssssse” porque está gente à volta e a tua filha está 3 metros à frente, são segundos que duram 2 vidas.

A primeira coisa que pensei, quando o sangue e o oxigénio começaram a regressar ao meu atordoado cérebro, foi: “És tão estúpido, Martim! As rochas estão aqui há milhares de anos, meu animal.” 

Depois passou a fugir pela minha cabeça a ideia do título deste artigo.

“Ora aqui está, Martim, uma boa forma de mostrares ao mundo como partir 1 dedo do pé no 1.º dia de férias”.

***Uma semana a coxear e acreditar que estava tudo bem***

O meu dedo ficou num estado lastimável.

Passou por várias fases, claro.

E chegou mesmo à belíssima cor arroxeada que um dedo que chocou com estrondo contra uma rocha milenar tem de apresentar.

Imagem que mostra o dedo do pé partido na sequência de um pontapé numa rocha
A foto pode impressionar, mas foi o melhor que se arranjou para te mostrar como partir 1 dedo no 1.º dia de férias

Mas havia algo em mim que me dizia que não tinha partido o dedo — ca burro!

Por isso, deixei-me ficar com aquele tratamento básico:

  • Gelo umas 5 ou 6 vezes por dia;
  • Zero de comprimidos;
  • Zero de médicos e hospitais;
  • Continuar a fazer a vida normal — ir à praia, beber copos, ir comer fora, coxear a pé (que não se pode chamar passear a um tipo que não consegue dar 2 passos seguidos sem suspirar.

Caramba… estava de férias. Umas férias tão desejadas e esperadas…

A Ana ainda me perguntou se queria ir para Lisboa, mas disse-lhe logo que “Nem Pensar!”.

Ir para Lisboa por causa de um dedo dorido. Onde é que já se viu? Nada disso.

Ficámos em Buarcos.

Fui para a praia todos os dias.
Andei a pé.
Subi e desci escadas.
Andei de chinelos e descalço.
Fui a um festival de francesinhas.
Não conduzi — era impossível fazê-lo.
Diverti-me muito.

Fui (como sou sempre) muito feliz ali.

***O olhar sincero de uma amiga enfermeira***

Regressámos a casa no final da semana e no Domingo fomos fazer um piquenique com um casal amigo e os seus filhotes.

A Inês é enfermeira e assim que olhou para o meu dedo perguntou:

— Já foste ao hospital?
— Não. Acho que não está partido. Tenho posto gelo várias vezes ao dia e Thrombocid. Se estivesse partido tinha dores horríveis e não conseguia mexer o pé. Não achas?

Os olhos dela fizeram o resto.

Não precisou de dizer nada, mas o olhar que não durou 1 segundo passou uma mensagem clara — vai ver isso o quanto antes.

No dia seguinte, pela fresquinha, lá fui eu para as urgências para me verem o pé.

Dedo partido em Y. Isso mesmo. Em Y. Era o que se via — e bem — no RX.

Já tinha ligado os dedos, que é a única coisa que podes fazer neste tipo de situações, mas depois lá expliquei ao médico das urgências o que tinha acontecido. A resposta dele foi maravilhosa.

— Divertiu-se, não divertiu? Soube-lhe bem, não soube?
Então olhe, vá de férias como planeou, não ande de chinelos e beba umas imperiais por mim. Cheguei de férias há 2 semanas e já estou exausto.

Marcou-me uma consulta com um ortopedista e lá fui eu à minha vida, com um dedo do pé partido, a conduzir para casa.

***Para arrumar a questão…***

Agora que já leste este tutorial de como partir 1 dedo no 1º dia de férias, não te resta outro remédio que não o de prestar especial atenção aonde pões os pés numa praia com rochas.

Sim, este texto não serve para muito mais do que isso. Desculpa.

No entanto, quase que aposto que te vais lembrar dele da próxima vez que estiveres numa praia com rochinhas lindas e fofas.

O dedo, esse, ainda não está bom, mas para lá caminha.
Também não tem grande remédio, na verdade.

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Um abraço e bom regresso à vida “normal” que tão bem caracteriza o Setembro do “nosso” (des)contentamento.

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