Contaste – Diferença profunda entre coisas e pessoas; oposição.
Acorda.
São 9:00 e chove copiosamente. Descaradamente copiada de todos os outros dias com chuva. Contraste.
A chuva perdeu a vergonha e contrastou com a vergonha dos meus olhos amedrontados e desconfiados.
Primeira vez, não, segunda vez, assim é que é. Segunda vez e a segunda de tantas outra vezes que ainda estão para chegar. Contraste.
10h00 e vamos lá a espetar a primeira agulhinha no bracinho. Não custa. Não dói. Mas pica. Corredor e mais uns metros.
As pessoas doentes ficam mais chatas? Contrastam com a falta de paciência que reina numa sala de espera. Quem espera sempre alcança, certo?
Senha. Admissão. Espera. Paciencia. Bate bate coração. Não gosto disto, não gosto mesmo, não gosto nada desta saga não encomendada.
– Já alguma vez fez este tipo de exames?
– Com contraste? Já.
Contrasta igualmente a confiança. A tua, claro está, absolutamente inabalável, pelo menos na parecença.
Pareces efectivamente feita de uma fibra que não existe nos materiais com que se fazem os outros homens, as outras mulheres, as outras companheiras e acompanhantes que acompanham, com força, com fibra, com coragem, sem contraste.
Preocupada comigo. Com o meu nervoso que já vai tendo pouco de miudinho e muito de crescido.
O nervoso dos crescidos é diferente do nervoso das crianças. Tem o dobro da dose da irracionalidade e da irreflexão, mas tem metade da razão e sobretudo tem a incapacidade absoluta de alcançar a calma que se lhe exige, no fundo, mais um pedaço de irreflexão que se liga ao tremor da mão e ao bater acagassado do coração. Contraste. Contrasta, se constrasta.
– Vai beber isto… 1 copo a cada 10 minutos. (Tenho de aviar isto de penálti que esta merda sabe mal que nem te conto)
Esbugalhaste ligeiramente os olhos quando me viste mandar abaixo o primeiro de 5 copos de groselha desenxabida, que mais parece uma mixórdia de frutos silvestres com detergente de limpar soalho.
Disse-te que só assim é que dá para beber aquela porcaria. Saberá a quê a água da bacia?
2º copo e viro a página. Mário Vargas Llosa (des)encoraja quem quer escrever, ser escritor. Leio mais e mais e digo-lhe:
– Continue por favor.
“Todos os grandes, os admiráveis romancistas foram, a princípio, escritores aprendizes cujo talento se foi gerando à base de constância e convicção.”
– Obrigado Vargas Llosa, continua a ser um prazer.
3º copo e começa a percorrer-me a vontade inegável e irrecusável de urinar. Pudera. A virar copos de aguadilha desta forma nem com uma fralda me safava.
Mais uma página, mais uma festinha, um beijinho, obrigado meu amor. As tuas palavras surdas em jeito de beijinhos de um mimo e de um carinho inqualificáveis pregam-me sossegado na cadeira de pau que de santo não tem nada.
Olho pouco em meu redor.
As pessoas que ali estão nao falam. Não querem falar. Não querem dizer porra nenhuma!
É chegar e… se desse… era chegar e virar!
Contraste. O contraste de uma sala muda e dos desenhos nas paredes, a spray, do Mosaik e de… do… do outro que agora não sei.
4º copo e só falta mais um. Para o almoço? Talvez feijão frade com atum.
E os 10 minutos que não passam e o pior que ainda está para vir. Mas, caramba… é assombroso o bem que sabe ver-te sorrir. O bem que sabe saber que não vais fugir, que dali não arredas pé, é tão bom não é?
5º copo e logo te apressas a levar o “balde” à “senhora”, estavas desejosa que entrasse e que se acabasse a tortura. E mal sabias tu que ainda me faltava espreitar mais outra abertura.
Entrada e a picadela da praxe. Braço esquerdo? E a veia? Espero que a ache. Nada. Ainda me diz que tenho a veia bailarina. Tem muita gracinha tem, a menina.
Posto o acesso e eu já possesso… mas tem de ser e o que tem de ser tem… muita força e a mim, não há quem me torça.
Contasta a alegria e simplicadade de quem trabalha com o desconforto e o olhar torto de quem ali calha. Não falha!
– Encha o peito de ar! Não respire… Pode respirar.
E a temperatura desata a aumentar. O corpo ferve e a alma treme de calor que não se gosta. É rápido. É estranho. E o desconforto tamanho que me passa pelos pés, me mói a cabeça e me mostra que a vida em revés tem mais do que se lhe diga. E há outra coisa melhor que o amor de uma vida?
Contraste.
Eu e tu. Eu digo tu ouves. Eu escrevo e tu lês. Eu sofro e tu também.
Às vezes é um pouco como o Pedro, apetece-me voltar para “os braços da minha mãe”.
Mas não sem ti. Que de tão oposta me trouxeste a vida à Costa. Que tão pura me mostras que o pouco que dura é melhor do que o tudo que voa, que me dizes que a vida contigo não pode ser senão… muito boa!
Contrastes. De vida. De luta. De crença absoluta que a vida lutada sabe bem melhor que a postura derrotada.
No fundo da vida leva-se ou pouco ou quase nada. Contrasta com a crónica da vida anunciada.
Custa muito?
Que nada.
Contrasta a noite com a crua beleza da alvorada e com a tua voz imaculada. Sim a tua, minha querida apaixonada que me passeia de mão dada de folha em folha de uma história iluminada.