Olá Mário, como está? Estou bem e tu? (sem fazer a mais pequena ideia de quem era o mamífero que tinha diante dos seus olhos, mas com aquele sorriso sempre afável de Mário Crespo) Posta de parte esta interrupção inusitada, no meio de uma gaguez inicial, eis que lhe digo: Mário, com toda a certeza que não se lembra de mim. Chamo-me Martim Mariano, sou sobrinho do Pedro e filho mais velho da Luisa Mariano… Lembro-me que o Mário me mostrou o que era uma máquina de escrever, me deixou sentar-me na sua cadeira a experimentar as teclas e a destruir folhas… Senti-o a focar-me. Tirou da cara o sorriso e emprestou à mesma o seu olhar de surpresa e contentamento a que o sorriso novamente se agarrou. Não posso. (Agora sorrio eu com um ar de papalvo indescritível) És o filho da Luisa Mariano? Ena pá. Aos anos que eu não ouvia esse nome. Mas é um nome que me traz um carinho enorme ao coração. Como está a tua mãe? Como está o Luís? Meus companheiros de tantos anos na RTP. Gosto muito da tua mãe. Sempre que precisares de alguma coisa. Fala comigo. Ouviste? Dá um grande beijo à tua mãe. Um grande abraço ao Luís e… tratas-me por tu, se fazes favor! (Está completamente doido. Tratá-lo por tu?! Impossível. Não consigo) Não prometo que consiga Mário. Deste-me uma enorme alegria. Fizeste-me recordar belos tempos e belas pessoas. Obrigado, Martim.
Não posso dizer que tenha trabalhado com o Mário Crespo. Não eu. Não este Mariano. Trabalhei no mesmo sítio que ele, e conversei algumas vezes com ele. Sobre a vida. Sobre o país e o mundo (como tão bem diz o Rodrigo). Sobre o passado, o presente e o futuro.
Há uns dias fui surpreendido pela notícia da sua saída. Do seu adeus. E, caramba. Fui ter com ele. Quis saber porquê, como, quando, e agora? E agora? Agora? vou-me embora. Comovido, levei a mão ao peito e disse-lhe, afastando-me, mas sem nunca lhe virar as costas, batendo com a palma da mão no lado esquerdo da minha existência. Obrigado Mário, por tudo, por sempre. Da máquina de escrever às palavras e às verdades. Da coragem à falta dela. Obrigado. E bati com a mão no peito, no mesmo lado da existência e recebi um… Eu sei, Martim. Eu sei. Obrigado eu. Dá um beijo à tua mãe.
Hoje, mais do que qualquer outra coisa, porque é esse mais que me trouxe a este texto. Venho dizer que me fará falta este “meu” Mário Crespo. O Mário que eu conheci na caixa e dentro dela. O jornalista. O homem. O sabedor. O curioso. O indomável. O incansável. O professor. O divertido. O jornalista, tal como um escritor, não deixa de ser jornalista. O Mário nunca será outra coisa que não um jornalista. Um comunicador. Homem que olha nos olhos da pergunta e ouve com atenção a resposta. Homem que afronta. Homem. E é ao homem que eu agradeço. Não me importa se o estilo é mais ou menos agressivo. Se agrada ou não às massas de uma classe que tem tanta falta de tanta coisa, mas que ainda assim teima em não se unir ou solidarizar, é coisa que não me importa minimamente. Se nem Deus é consensual, porque se esperará isso de um simples mortal? Disse desassogadamente Fernando Pessoa que, “(…) Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjectividade.” Nem mais. Devia ser assim. Devia pensar-se assim. Mas hoje percebo que seja quase utópico dizer isto a alguém. Irreal dentro da surrealidade dos tempos.
Sapatos. Em pequenos, todos o fazemos. Calçamos e descalçamos sapatos maiores que os pés que temos, bem maiores. Sapatos com o dobro do tamanho. Porquê? Queremos ser como a pessoa que os calça. Queremos ser grandes. Subir às cavalitas, aos escadotes, às árvores, aos terraços. Queremos olhar de cima para baixo e não de baixo para cima. No fundo procuramos, todos nós, mudar a perspectiva. O Mário Crespo moldou a face do “meu” jornalismo. Deu-lhe regras. Deu-lhe formas. Deu-lhe histórias. Deu-lhe alma. Emprestou-lhe o corpo. À profissão. À missão.
Obrigado Mário Crespo. Hoje trabalho dentro da “caixa” tentando sempre pensar fora dela. Gosto muito da caixa. Mas hoje gosto um bocadinho menos de televisão. Foi, é e continuará a ser um prazer. Resta-me aprisionar na cabeça as memórias. Porque de Memória tem de ser feita uma redacção de um Órgão de Informação. Memória. Reconhecimento. Respeito. Hierarquia. Que bem que sabe e que bem que sabia. Até já Mário. Até qualquer dia.