O que dizes tu?

Pesca (as) dores

Se fosses um qualquer que não aquele que és quem pensas tu que serias?
Pescador de rede descosida, cansada, gasta, encrostada de tanto sal que lhe temperou os fios, finos como cabelos, juntos fazem tanto mais do que fariam na solta soltura que lhes reservava a vida futura, se rede não tivessem sido, o que lhes teria acontecido, não teriam sequer tido um nome devido, seriam fio fosse o que fosse que tivessem vivido. Fio, que nome mais aborrecido. A vã glória de ser qualquer coisa não te deixou sequer ser corda. Acorda que vais ser fio para toda a vida!
Se não pescasses e com as redes nada quisesses o que seria de ti nos dias em que dificilmente te reconheces?
Sim aqueles em que ouves e não escutas, em que pensas que pensas e não… não nada, absolutamente coisíssima nenhuma. Mais uma? Pode ser.
Sabes e não esqueces que o peixe te traz aos olhos o mar e os cheiros da maré permanentemente descontente, ora sobe, ora desce, não sabe por ventura ela o que é tudo aquilo que sente.
Se do mar voam os sonhos dos marinheiros que nos valeram, dos heróis que lá pereceram e de todos aqueles que lá chegaram, bem como dos que foram e nunca mais voltaram, porque lhe queremos nós tanto e tão bem, porque será que sinto nele o choro de quem foi e já não vem?

“Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!”

Se fosses homem normal, outro que não o homem que és, quem seria o animal que gostarias de ver nos teus pés?

São os olhos que abrem e fecham, são os dias que fazem o mesmo, são as noites que de silêncio se fazem doces e na meiguice me desejam um outro, um novo, um qualquer pensar que me faça acordar de novo com os olhos a abrir, a fechar, a parar para pensar, imaginar, sorrir, sonhar, não gostar. São os olhos que fazem sonhar os peixes também, isso e os outros peixes, que eles gostam de se imitar e de fazer tudo em grupinho, como meninas à casa de banho.

Se não fosse este que vou sendo seria sempre de um lugar onde o tempo me levou. Pior do que querer ser é lamentar nunca ter sido. Pior do que não saber ser é desejar nunca ter sido.
Peixe? Prefiro grelhado, sempre sabe melhor que o cozido que na verdade se torna sempre um pouco desenxabido. Faz sentido? Não.
É melhor assim.
Talvez seja, sim.
Aqui para nós, que ninguém nos lê, grelhado fica o caso arrumado, já lá vem o molho para poisar na mesa, aí sim, de lado, que não fique o caldo entornado, que isto é peixinho bom, essa riqueza portuguesa.
Com franqueza!
Pescar não pescaria com certeza que para isso é preciso nobreza e essa não a tenho por certo.
Tenho nos dedos a irreverência que me permite o pensamento, seja mais rápido ou mais atento. Junto palavras à mesa e o peixe, esse… deixa lá isso homem, o peixe sabe bem, o resto… é como diz o outro, é merda que não interessa a ninguém. Leva a cana, já sabes, podes sempre pescar as de alguém!
Hã?
Deixa lá isso. São dores. Minhas tuas. O mar também as tem

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